É uma grande honra para mim poder estar de novo neste
congresso a convite da Unifuturo, na pessoa de meu querido amigo e notável
reitor Professor Ricardo Monteiro a quem envio meus cumprimentos e, sobretudo, o manifesto da minha gratidão.
Eu hoje venho aqui com um propósito. Focar a vossa atenção
para o papel das emoções nas aprendizagens.
Eu tive sempre um enorme fascínio por aquilo que eu chamo
"ciência da aprendizagem". É algo que vem desde os meus tempos de
infância e mais adiante eu vou contar a vocês porquê.
Eu sou um verdadeiro apaixonado por tudo o que represente
evolução. Desde criança que, embora eu nunca sentisse o chamamento para o
ensino, eu me deslumbro com o fato de podermos perceber, interpretar e
registrar conhecimentos ao longo de toda a vida, por muito longa que ela seja.
Me recordo que meus avós, pessoas que tiveram vidas longas e maravilhosas e que
me educaram (meus pais viviam no Brasil), tendo tido uma brevíssima
aprendizagem escolar há mais de 100 anos, me encantavam com os relatos
detalhados de seus conhecimentos, em especial os registrados em suas memórias
autobiográficas. Foram magníficos aprendizes e deixaram um legado a todos os
seus netos (5) que foi o amor pela busca da sabedoria e da maturidade.
Aqui na Europa eu tenho trabalhado nos anos mais recentes
com pessoas idosas que, ao contrário de meus avós, entretanto já falecidos,
apresentam dificuldades de memória e de novas aprendizagens, aliás elas vivem
perdendo essa capacidade.
Minha função é fazer o diagnóstico de suas perturbações e
aplicar nelas terapias de estimulação cognitiva para que possam retardar o
envelhecimento cerebral e cognitivo, e até mesmo recuperar algumas capacidades
que se julgavam comprometidas. Tem sido uma atividade muito gratificante.
Antes disso, e durante mais de 25 anos, enquanto
neuropsicólogo clínico, atendi muitos casos de problemas relacionados com
dificuldades de aprendizagem e incapacidades de aprendizagem - dois problemas
que afetam milhões de alunos em todo o mundo, independentemente dos países e do
sistemas de ensino, e que conduzem ao fracasso académico.
Ao longo daquele período de tempo, estive com milhares de
professores de mais de 200 escolas de Portugal, os quais tiveram a oportunidade
de me ouvir falar sobre insucesso escolar relacionado com distúrbios de
aprendizagem de seus alunos.
Também no meu consultório privado recebi milhares de crianças e adolescentes por causa
de fracos desempenhos académicos, muitas vezes incompatíveis com suas altas
capacidades cognitivas e também muitos adultos sofrendo problemas de memória,
de concentração e de evocação de lembranças. As vítimas de Alzheimer eram as
que mais me impressionavam. Mas também atendi indivíduos estressados, pessoas
com manifesta ansiedade descontrolada, depressões e ainda outros com problemas
neuropsicológicos mais ou menos graves e preocupantes.
Posso dizer, por conseguinte, que fui testemunha de
muitíssimas situações que direta e indiretamente afetavam a capacidade de
aprender e de recordar, presentes tanto em cérebros saudáveis como em cérebros
doentes.
Como é óbvio, o foco principal dos problemas estava no mau
funcionamento de suas memórias e no próprio processamento da informação, que é
determinante para as diversas realizações mentais, como o raciocínio. Elas
estavam, por alguma razão, inibidas de darem o seu melhor por mais esforços que
fizessem.
Pude concluir que as pessoas, seja qual for sua idade, sua
educação, seu status social e trabalho, podem ter problemas de memória e
distúrbios de aprendizagem devido a uma grande variedade de causas e situações.
Aproveito para esclarecer uma situação: clinicamente, em
neuropsicologia, nós consideramos dois tipos de problemas distintos
relacionados com a aprendizagem. Um , o mais frequente, é a dificuldade de
aprendizagem e o outro, mais complexo, é a incapacidade de aprendizagem.
A dificuldade de aprendizagem nos remete para problemas os
mais diversos, psicológicos, sociais, familiares e ambientais, que impedem,
inibem ou perturbam o esforço de aprender. A ansiedade, a falta de sono, a
alimentação desadequada e a falta de interesse estão entre as causas mais
conhecidas, geralmente se acumulando. Conhecem-se mais de 100 fatores possíveis
onde podemos destacar falhas nos métodos de ensino, conflitos familiares e
muitos outros.
Já a incapacidade de aprendizagem pode ser causada por
problemas neurológicos, défices cognitivos, lesões traumáticas, diversas
doenças e disfunções várias que tornam difícil ou perturbar a aquisição de
novos saberes. A discalculia, a dislexia, certos tipos de hiperatividade, de
impulsividade e défices de atenção são apenas alguns dos exemplos mais
frequentes mas nem sempre corretamente diagnosticados. A questão do diagnóstico
tem sido, aliás, ele mesmo um problema pois nem sempre é de fácil compreensão
por haver imensos outros fatores complicando a observação médica.
No tempo em que eu andava nos primeiros anos de escola esta
me assustava severamente. Havia muito violência entre os alunos e o ensino era
autoritário, sendo o castigo físico muito frequente. A escola me levou à
descoberta do verdadeiro medo, provocado não por monstros imaginários mas por
pessoas.
Isto remete a minha a minha atenção para o papel das emoções
nas aprendizagens. Esse papel pode ser profundamente negativo e debilitante
como pode ser um acelerador do conhecimento. A criança feliz, com suas emoções
equilibradas, sem extremos, está mais apta a aprender sem dificuldade desde que
esteja livre de alguma situação contrária.
A motivação para estudar e aprender com sucesso fica
facilitada graças a diversas circunstâncias onde a positividade está presente.
A família e as instituições de ensino devem providenciar para que a criança
goste de aprender. Isso implica promover a abertura mental para a curiosidade e
o derrube do desconhecido. A criança que gosta de aprender facilita o seu
próprio ensino e torna-se facilmente autodidata. O professor, sem perder o seu
papel de facilitador das aprendizagens, deverá situar-se algures entre o aluno
e o seu meio familiar.
O mundo mudou e hoje a escola não é mais aquela do meu tempo
de infância. Não obstante, continua a produzir alunos sem motivação,
professores cansados e a alimentar o insucesso escolar. As emoções continuam no
centro da maioria dos problemas de aprendizagem.
Somos o animal com mais emoções. Somos o animal mais social,
mesmo quando provocamos conflitos da mais diversa ordem. As emoções ajudam-nos
a interpretar o mundo. Se estamos tristes, o mundo parece desinteressante. Se
estamos apáticos, o mundo parece banal. Se estamos felizes, o mundo parece
extraordinário.
É muito importante que às crianças (e também aos adultos que
continuam a crescer) sejam proporcionadas condições para que sua inteligência
seja bem sucedida e se tornem alunos apaixonados pela aventura do conhecimento.
Compreender e respeitar as nossas emoções e as emoções dos
outros é um processo que deve ser transmitido e treinado o mais cedo possível.
Só assim assistiremos a uma renovação, talvez mesmo uma revolução, em tudo o
que diga respeito a qualquer sistema de ensino voltado para o futuro onde haverá
uma forme insaciável de pensadores. O mundo precisa de pensadores. Pensadores
humanistas e pragmáticos que vençam os novos e enormes desafios que se colocam
ao mundo, ao nosso mundo, e ao mundo do futuro.
Me permitam citar um grande mestre meu, Dalai Lama, quando
se dirigiu, um dia aos professores:
"Façam um esforço
de não só transmitirem um saber, mas também de despertarem o espírito dos
vossos alunos para as suas qualidades humanas fundamentais, tais como a
bondade, a compaixão, a capacidade de perdoar ou o espírito de bom
entendimento. Não reservem esses temas para a moral tradicional ou para a
religião. Mostrem-lhes que essas qualidades são pura e simplesmente
indispensáveis à felicidade e à sobrevivência deste mundo".
Termino minha intervenção com uma palavra de apoio e
incitamento a quem, como eu, sofreu muitas emoções negativas durante anos e,
não obstante, sobreviveu a tudo e a todos.
Busquemos dentro de nós aquela energia que é própria da vida
e que dá vida à vida. Coloquêmo-la ao serviço dos nossos objetivos, projetos e
sonhos, e compartilhemos toda essa força com os outros e com o mundo.
Isso é também um dos motivos porque a natureza nos conferiu
tantas emoções: para podermos progredir e evoluir. E fixemos esta ideia: todo o
progresso, toda a evolução, é um processo de aprendizagem. Toda a aprendizagem
é uma adaptação. Ela modifica a nossa vida, modificando o próprio cérebro.
Devemos estar sempre abertos para novos conhecimentos. Não
esperar que eles cheguem até nós e decididamente tornarmo-nos em exploradores
do desconhecido para que continuemos nossa própria evolução pessoal e
contagiarmos os outros com a nossa auto-motivação e alegria de aprender.
Nossos alunos, nossos filhos, nossos netos, nossos amigos,
acabarão por nos imitar. E o mundo poderá evoluir por melhores caminhos rumo a
diferentes futuros, mais promissores.
Sejam felizes e espalhem as
vossas emoções mais positivas bem assim como os vossos conhecimentos por onde
quer que estejam. O amor, a felicidade e o conhecimento devem ser
compartilhados. Só assim haverá evolução.
Nelson S. Lima
Investigador