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Autor: Nelson S. Lima (clique na imagem)

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Crianças silenciosas são crianças tímidas?


Que sinais transmitidos pelos silêncios da criança podem os pais ler?
- Há vários sinais que nos devem alertar se fugirem da normalidade: perda rápida de interesse por actividades que geralmente a atraíam, apatia, tristeza persistente, choro frequente, enurese (urinar na cama), queixas físicas difusas ou mutismo (seletivo ou multifocal). Quaisquer outros sinais que sejam contrários ao tipo de personalidade da criança e do seu temperamento devem também ser entendidos como alerta. Há crianças introvertidas que têm comportamentos retraídos mas isso pode significar nada de preocupante. Nas extrovertidas e sociáveis as alterações de atitude e de disposição de ânimo são mais visíveis. Se o silêncio, a melancolia e até o isolamento se instalarem de forma inesperada e constante podemos estar perante algum problema sério.

Quais os indícios mais evidentes de que estamos perante um caso susceptível de preocupação pelo facto de tratar-se de uma criança excessivamente calada/reservada/introvertida?
- Se a criança for excessivamente introvertida fecha-se nos seus sentimentos e pensamentos, vive no seu casulo, torna-se reservada, assim como comunica e interage pouco. A introversão, numa sociedade aberta como é a sociedade humana, é um traço de personalidade que, quando em excesso, inibe a pessoa na relação com os outros e torna-a mais susceptível a sofrer de timidez, sentimentos de vergonha, medos vários e desenvolver algumas patologias associadas à neurose (ansiedade, estados depressivos, fobias, etc.). A sua personalidade pode apresentar distúrbios com reflexos nos comportamentos, no desempenho escolar, nos relacionamentos, etc.

Quais as razões mais frequentes que levam uma criança a ser mais calada que o habitual?
- Vários sentimentos podem tornar uma criança calada e inibida: timidez, vergonha e medo são os mais frequentes. As razões podem estar relacionadas com problemas familiares, experiências de vida negativas, ameaças de agressão, etc. A depressão pode também ser a responsável. Estima-se que 2,5% das crianças entre os 5 e os 12 anos já sofrem de depressão, sendo mais vulgar nos rapazes. Um alerta aos pais: as crianças com depressão costumam ser caladas e obedientes, e, por conseguinte, com um comportamento que não suscita suspeitas. Problemas na família (divórcio dos pais, ambiente hostil, mudança de residência) e na escola podem levar a sentimentos semelhantes à depressão, sendo o mutismo um dos sintomas habituais.

Qual esta fronteira? Quando podem os pais perceber que o silêncio de determinada criança ultrapassa o “normal”? (Quando deixa de ser personalidade e passa a ser patologia?)
- A fronteira pode ser muito ténue. Pais atentos e informados percebem essas nuances. Claro que tristeza ou mutismo passageiros são normais e fazem parte da flexibilidade emocional, o que é saudável. Os pais também não devem preocupar-se de imediato mas quando percebam algo de anormal será bom ouvir outras pessoas que convivam com a criança (irmãos, colegas mais íntimos, professores e outros familiares) para verificar se o problema também é testemunhado por outras pessoas.

Podemos dizer que se refugiam num mundo só delas?
- Os introvertidos lidam melhor com esse tipo de situações pois a sua personalidade permite-lhes viver emoções profundas, estar sozinhas e serem mais ou menos inacessíveis aos outros sem problema de maior. Já os extrovertidos, voltados para o mundo exterior, adaptam-se bem a diferentes tipos de pessoas e a situações novas. Quando estas se remetem para comportamentos fechados e perdem o sorriso que lhes é próprio algo se poderá passar. Não apenas se refugiam no mundo delas como também se fecham ao mundo e aos outros. E, em muitas crianças, essa situação pode ser uma experiência castradora da autoconfiança, do prazer de viver, da criatividade e das aprendizagens.

Como devem os pais agir perante este tipo de personalidade?
- Quando as crianças se tornam fechadas, inacessíveis, caladas, algo não está bem com elas. Se for um caso de personalidade adquirida (aquela com que se nasce) deve-se orientar no sentido de aliviar essa tendência anti-social, que pode prejudicá-la. Se for fruto de aprendizagens (personalidade aprendida) devido ao meio familiar, aos medos desenvolvidos e outras formas de repressão é preciso descobrir como isso aconteceu e libertar os recursos da criança para ela voltar a ser feliz e aberta para o mundo.

Devem contrariar a criança ou deixar que permaneça calada e anti-sociável?
- Contrariar não será a palavra certa mas devem motivá-la para a socialização com os outros. É evidente que a combinação da predisposição biológica, do temperamento, do estilo cognitivo e de outros factores podem cultivar comportamentos menos sociáveis. Em última instância podemos estar perante um distúrbio de personalidade anti-social. Neste caso verifica-se uma inflexibilidade adaptativa. A criança adopta um comportamento defensivo, evita o contacto com os outros e até pode tornar-se agressiva. A agressividade pode ser um sintoma de sofrimento interior profundo. Mas isso também pode ser devido a outras perturbações de personalidade que não apenas a anti-social. A generalidade dos transtornos de personalidade gera relacionamentos interpessoais disfuncionais.

Devem encorajá-los e ensiná-los a serem mais abertos e extrovertidos? De que forma?
- É necessário distinguir os comportamentos resultantes de situações pontuais daqueles que derivam de perturbações de personalidade. Veja-se o seguinte: o negativismo, o pessimismo, a inibição emocional, o sentimento de fracasso e de vulnerabilidade que estão presentes em algumas situações devem-se a esquemas cognitivos (estruturas mentais rígidas) que se estabelecem na infância e têm como causas, geralmente, o tipo e modelo de família e da educação recebida. Famílias severas, exigentes, rígidas e tendencialmente punitivas desenvolvem comportamentos evitantes e inibições, negativismo e pessimismo. É necessário que os pais tenham consciência do efeito que o modelo de família criado tem sobre os filhos. Para ajudar uma criança a ser mais aberta tem de se instalar nela sentimentos de autoconfiança, uma forte auto-estima, o prazer de viver e a alegria.

Como conseguir dar a volta a um perfil destes?
- É difícil transformar uma personalidade pois ela tem raízes biológicas onde o factor genético é muito forte. Se a criança é introvertida será impossível transformá-la numa extrovertida. Mas pode-se aliviar alguns dos traços que caracterizam a introversão através de um ambiente familiar que promova a abertura das emoções, o diálogo, a partilha, a convivência sadia e o prazer das relações interpessoais. O problema da introversão é quando os seus traços distintivos são agravados por uma educação castradora que leva a criança a refugiar-se ainda mais no seu mundo.

Isto é mais evidente em que idades?
Geralmente estes traços tornam-se mais evidentes entre os 5 e os 12 anos de idade.

Quais os erros mais comuns praticados pelos pais?
- Infelizmente há muitos erros de educação que podem perturbar e adulterar a personalidade das crianças. Famílias desligadas, rejeitadoras, imprevisíveis, muito exigentes ou perfecionistas adoptam valores, princípios e regras que podem levar a comportamentos que inibem os filhos com tendências mais introvertidas. O maior perigo reside no facto das crianças sujeitas a tais modelos familiares passarem a desenvolver esquemas que podem ir desde a super-vigilância (aumentando a ansiedade e o stress) até à limitação dos seus recursos (inteligência, capacidade de aprendizagem, criatividade, poder de iniciativa, etc.).

Que dicas poderiam indicar aos pais para conseguirem com que os filhos falem mais?
- Os pais devem libertar-se dos seus problemas pessoais e também, caso os tenham, dos seus próprios esquemas mentais rígidos adquiridos na infância. Não há pais perfeitos mas há muitos erros e lacunas que podem ser evitados desde que eles percebam as suas próprias limitações e os erros que cronicamente repetem. Os pais devem criar um ambiente familiar leve e prazeroso, em que se autoriza e promova o diálogo, a liberdade de expressão emocional (nunca a repressão) e em que se enalteçam os comportamentos positivos. O ambiente em casa, decorrente da forma como os pais gerem os relacionamentos interpessoais e os estilos de vida, é determinante. Não se espere que os filhos sejam felizes, ampliem as suas capacidades e conversem abertamente se o ambiente for doentio ou repressor.

As próprias crianças sofrem?
- Sim, muito. E frequentemente em silêncio. Quando isso acontece por longos períodos as crianças podem adoecer. Além do medo, da ansiedade e da depressão (que está a aumentar entre a população infantil e os adolescentes) podem desenvolver doenças psicossomáticas e orgânicas.

Quais os efeitos no desenvolvimento de uma criança a médio e longo prazo?
- Os efeitos podem ser os mais diversos: alterações comportamentais, insucesso escolar, distúrbios da personalidade, desenvolvimento de estados depressivos, vulnerabilidades psicológicas e orgânicas, encurtamento da longevidade, etc.

É considerado um distúrbio?
- O mutismo e outras anomalias são considerados distúrbios psicológicos. Podem ser adquiridos, geralmente após choques afectivos. No caso do mutismo ele tende a ser selectivo ocorrendo em lugares variáveis, como em casa, com os pais ou outros membros da família, ou ao contrário, extra-familiar, na escola ou em outros ambientes.

É uma reacção que acontece (apenas) quando as crianças estão deprimidas?
- Não só. A criança que fala pouco ou que evita falar pode ter muitas razões (algumas inconscientes) para adoptar esse comportamento (com os seus efeitos nos conteúdos de pensamento, nas emoções, nos comportamentos e na saúde).

É aconselhável levar a criança ao médico? 
- Se o mutismo se mantiver é absolutamente necessário descobrir as causas e isso aconselha a que se procure urgentemente o médico de família ou um especialista em pedopsiquiatria.

Mais questões que sejam relevantes?
- No mundo de hoje, com muitos problemas sociais (divórcios, desemprego, insegurança, ampla informação sobre calamidades, guerras, doenças, etc.), é perfeitamente natural que as crianças sofram, cada uma à sua maneira, de fragilidades psicológicas, sobretudo de índole emocional e afectiva. Esses problemas reflectem-se nas suas atitudes, comportamentos, desempenho escolar e no aproveitamento da inteligência. Há casos graves de pseudodebilidade mental (grave inibição intelectual, em que a criança é incapaz de aproveitar todas as suas capacidades cognitivas) e que são provocados por sofrimento afectivo intenso e prolongado. Ora tudo isto deve fazer-nos reflectir sobre o tipo de sociedade que estamos a construir e o papel da educação (familiar, académica, etc.).

Nelson S Lima