A maior parte das dificuldades surgem por desmotivação, não
por incapacidades neurológicas: a conclusão é de Nelson S Lima, neuropsicólogo clínico em Inglaterra e professor da Faculdade de Ensino Superior do Nordeste, no Brasil, que há anos vem organizando estudos,
orientando professores, apoiando as crianças e chamando a atenção para a
ineficácia do actual sistema de ensino.
'As crianças sentem-se perdidas e não percebem para que
serve a escola. Tal como os incêndios e os desastres de automóvel, acho que
também na escola estamos em estado de calamidade nacional.'
O alerta já foi lançado: um em
cada três alunos portugueses tem dificuldades de aprendizagem, número
escandaloso para qualquer país e que, ainda por cima, tem tendência a aumentar.
'Há uma quase obsessão em querer ensinar muita coisa às
crianças em pouquíssimo tempo', nota Nelson S Lima. 'O que a escola devia fazer
nos primeiros anos era dar noções gerais do que é a vida. Mas um aluno de 12
anos tem 15 disciplinas! Como é que pode aprender alguma coisa?' Quinze
disciplinas que depois se reflectem na forma desmesurada como acontecem os
trabalhos de casa. Estranhamente (ou talvez não.), e segundo um estudo europeu,
somos um dos países com piores resultados escolares e o país europeu que mais
tempo dedica aos trabalhos de casa.
O neuropsicólogo conta o caso de uma criança de 11 anos que
lhe chegou com uma estranha missão: 'Passou o dia aflitíssima porque tinha de
fazer um trabalho sobre a Bósnia-Herzegovina. E sobre o Alentejo é capaz de não
saber nada. Entretanto, o irmão estudava exaustivamente a Albânia. Isto tudo,
feito desta forma, é um disparate pegado!' Tudo somado, contribui para o
stresse diário de muitas famílias.
Pais com tempo e cultura suficientes ou dinheiro para pagar
a explicadores são capazes de dar uma ajuda. Mas muita gente se sente aflita.
'Os miúdos vêem-se a braços com imensa informação que se refugia em palavrões.
'Um buraco negro é conhecido como um sorvedouro cósmico', para miúdos de 11
anos, acha normal?', questiona Nelson S Lima. 'O importante era dar-lhes algumas
noções básicas, mas bem dadas. Actualmente, com tanta matéria que lhes
impingem, qual é o resultado? É que não fica lá nada! Eles não sabem nada do
mundo! E esta é a geração que há-de chegar um dia ao poder!'
É URGENTE ESCLARECER
A obsessão de querer ensinar tudo em pouco tempo faz com que
estejamos a cultivar a ignorância, por recusa inconsciente em aprender. 'A
ansiedade e o stresse estão a aumentar de forma assustadora nas crianças. E
muitos pais, embora se queixem destas anomalias, são os primeiros a defender o
modelo de escola actual, porque é a escola que eles próprios tiveram', revela
Nelson S Lima.
Resolver as coisas passaria por reduzir a carga
programática. 'Aligeirar as coisas não seria retirar qualidade, seria dar às
crianças mais tempo para falarem sobre o mundo delas e acrescentar coisas que
faltam: ensiná-las a pensar e a estudar. Tornar as crianças seres pensadores.'
Isto evitaria percursos de aprendizagem trágicos e completamente destruidores
de vidas, evitaria, por exemplo, que tanta gente chegasse à universidade com a
impressão de que escolheu o curso errado. 'A educação emocional deveria ser uma
disciplina mais importante que a Moral. As crianças conhecem-se muito pouco a elas
próprias. Elas nunca sabem dizer quem são, não conhecem as suas próprias
virtudes e qualidades. E isto é perigosíssimo.'
Nelson S Lima propõe mudanças que podem ser feitas pelos
próprios pais, pois mudar o sistema de ensino é mais complicado: 'Podemos ajudar
as crianças a organizarem-se de modo a que não fiquem muitas horas a estudar.
Vinte minutos com um intervalo de dez minutos, depois mais vinte minutos.'
E, principalmente, fazer tudo para que pelo menos o
fim-de-semana fique livre de trabalhos. 'Fujam dos shoppings, vão apanhar ar
livre, vão passear a parques, jardins, montanhas, vão para onde quiserem mas
que seja ao ar livre e onde possam correr. O importante é quebrar a rotina para
diminuir os níveis de stresse que estão a aumentar cada vez mais nas crianças.
É a única forma de os defender. O resto teria de levar uma volta inteira, por
forma a implantar medidas inteligentes não tão ambiciosas sob o ponto de vista
académico. Isto já não vai com uma reforma, mas com uma revolução!'
in revista ACTIVA, 16 ABRIL 2012