A memória é um tema muito estudado?
- A memória, porque é uma das mais importantes e indispensáveis capacidades
para a vida, é um tema que tem sido abundantemente estudado pelos
neurocientistas e a sua relação com as emoções, o temperamento, as doenças neurológicas, o
envelhecimento, etc.
Qual é o aspecto da memória que mais usamos no dia-a-dia?
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Usamos vários tipos de memória segundo a duração do tempo de fixação (imediata,
de curto prazo e longo prazo), diferentes categorias segundo a modalidade
cognitiva (memória episódica, memória semântica, etc), o tipo de função
(verbal, espacial, musical, etc), os estímulos envolvidos (auditiva, visual,
táctil, etc) e o nível de cognição utilizado (memória implícita ou
não-consciente e memória explícita ou consciente). A memória mais central é a
chamada "memória de trabalho" ou "operacional" que usamos
permanentemente a fim de sermos capazes de ligar os acontecimentos momento a
momento e executarmos tarefas com uma percepção sólida e coerente de continuidade.
É possível criar memórias de coisas que nunca aconteceram?
- Memorizamos ideias, intenções, projectos, imagens e interpretações de
acontecimentos que nunca presenciámos ou que, em si mesmo, nunca se
concretizaram. Na verdade, memorizamos pensamentos que são acontecimentos
mentais.
Como se consegue discernir entre uma verdadeira recordação e uma falsa
memória?
- A verdadeira recordação de tipo fotográfico ou audiográfico não existe a
100%. O cérebro, pela forma como evoca as memórias previamente registadas,
altera as recordações pelo que um mesmo conteúdo pode assumir diferentes
aspectos. É o caso, típico, da memória de um acidente presenciado por alguém
que estava no local. Essa pessoa vê, interpreta e fixa todo um conjunto de
dados que podem ser ampliados, reforçados ou reinterpretados devido às opiniões
de outras testemunhas com quem troque impressões. A memória também faz
interacção com as emoções pelo que duas pessoas ouvidas em separado podem
descrever um mesmo acontecimento usando diferentes perspectivas e abordando-o
de ângulos igualmente não coincidentes. Por isso é que os juizes ouvem as
declarações das testemunhas em busca da verdade que resulte da filtragem de
todos elementos: factos, similariedades de relatos, contradições, ideias, etc.
Porque é que umas pessoas têm melhor memória do que outras?
- Isso depende de muitos factores (biológicos, psicológicos, ambientais, etc)
que entram jogo na dinâmica da memória. Há pessoas que têm melhor memória
auditiva, outras visual, e por aí adiante. Mas, em geral, a memória das pessoas
funciona plenamente e sem perturbações. Mas os factores que mais prejudicam a
saúde da memória são o stress, a fadiga, a alimentação incorrecta e o
envelhecimento.
Quais são as melhores estratégias para recordar? Pode dará alguns exemplos
práticos do dia a dia? O que é que diariamente as pessoas podem fazer para
melhorar a memória?
- As melhores estratégias para recordar começam com uma que é prioritária: a
atenção aplicada nas actividades ou nos dados que queremos mais tarde recordar.
A pressa e a desatenção são inimigas da memória pelo que devemos adoptar
algumas regras básicas como buscar várias fontes de informação (por exemplo,
para estudar um tema é útil fazermos uma pesquisa em torno do mesmo e não apenas
uma apressada leitura), utilizar vários sentidos e dispositivos gráficos (ver,
ouvir, imaginar, desenhar, fotografar, etc), etc. A memória é multifocal e, por
isso, o registo pode ser amplificado se soubermos aceder às várias modalidades
de aprendizagem. Actualmente há actividades que podem ajudar a reforçar o
desempenho cognitivo, nomeadamente o da memória.
O ambiente, os hábitos e a educação influenciam a memória?
- Influenciam muito. Por exemplo, os hábitos de trabalho e o sentido de
organização são determinantes. O trabalho executado com um plano prévio de
tarefas (por exemplo, desdobrá-lo por etapas) ajuda o cérebro a facilitar o
registo das informações que lhe são dadas. Também o ser-se organizado na
disposição dos elementos que queremos aprender (dar-lhes uma classificação de
prioridade, objectivos, etc) reforçam a capacidade de memorização.
Qual é a importância da alimentação e do sono no que concerne à memória?
- São factores muito importantes. A alimentação saudável é regrada e
equilibrada e, por isso, fornece nutrientes vitais para a função cerebral. Se
assim não for, se nos alimentarmos de forma "desonesta" e adulterada
expomo-nos a doenças, à rigidez cerebral e mental e ao declínio cognitivo (o
excesso de radicais livres simplesmente fere de morte as células nervosas e
diminuem as capacidades mentais do pensamento e do raciocínio). Também a falta
de sono prejudica a memória: não apenas porque reduz a capacidade atenção como
também complica todo o esforço metabólico ligado à fixação de memórias que a
nível celular o cérebro necessita realizar durante as horas em que dormimos).
Qual é a melhor hora do dia para memorizar coisas?
- Depende das pessoas. Geralmente, os introvertidos parecem fixar melhor
durante a manhã enquanto que as pessoas extrovertidas memorizam melhor à tarde
e ao fim do dia. De facto, a natureza da personalidade parece ter uma palavra a
dizer visto que ela tem como alicerces determinadas estruturas biológicas que
também estão implicadas na memória e noutras actividades cognitivas.
Deve-se estudar na véspera de um exame?
- Talvez as pessoas precisem de estudar nas vésperas de um exame por diferentes
razões: umas porque querem reforçar e consolidar o que já sabem, outras porque
se sentem mais seguras, enfim, outras porque acreditam que assim é melhor e
ficam mais tranquilas. Mas o ideal é mesmo fazer-se uma aprendizagem gradual (diz-se
significativa) que dê tempo à consolidação dos conhecimentos. Estudar de
véspera pode gerar ansiedade suficiente para bloquear a memória. Isso acontece
com 20 a 30% dos alunos das nossas escolas.
Tudo o que vivemos fica gravado em algum lugar da nossa memória?
- Parece que sim. Estima-se que o cérebro de uma pessoa culta de 80 anos pode
ter armazenada informação suficiente para que encher 30 milhões de livros de
500 páginas e que se distribui por diferentes categorias de memória:
autobiográfica, semântica e procedimental. O que acontece é que a grande
maioria da informação está indisponível quer no subconsciente quer no
inconsciente das pessoas a fim de libertar a mente daquilo que seria um
pesadelo se estivessem impedidas de esquecer.
O que é um dejá vu?
- É um sentimento de revivescência de algo passado e não de uma recordação.
Resulta de coincidências de natureza subjectiva presentes num determinado
momento e que captamos de forma emocional.
O que é a amnésia?
- Significa falha ou perda de memória. Em certos casos patológicos pode assumir
formas e graus de gravidade diversas. Existem também as alterações qualitativas
da memória (paramnésias) e também os chamados "transtornos do
reconhecimento". São diferentes patologias e cuja repercussão na qualidade
de vida varia de caso para caso.
Porque é que retemos umas memórias e não outras?
- Geralmente retemos e lembramo-nos depois melhor aquelas memórias que nos
marcam emocionalmente ou que foram significativamente importantes para nós.
Sem a memória não poderíamos aprender e por consequência evoluir enquanto
espécie. Qual é a verdadeira importância que a memória tem para o ser humano?
- A nível individual ela permite-nos construir o nosso eu a partir da
elaboração mental da nossa própria história de vida dando-nos um sentido de
existência e de coerência entre as diferentes vivências quotidianas. A nível
colectivo ajuda-nos a desenvolver o sentido social e de pertença que une todos
os membros da comunidade e da própria espécie.
Conseguimos compreender de facto como funciona o cérebro ao nível da memória?
- Embora nem todos os fenómenos estejam totalmente descodificados o funcionamento
da memória está bem compreendido hoje em dia.
Quais foram as últimas descobertas cientificas sobre a memória?
- Tem havido várias. Destaco principalmente as que se têm debruçado sobre a relação
entre as emoções e a memória, as que estudam os processos degenerativos que
podem afectar a memória devido ao abuso de drogas, álcool e tabaco, stress, ao
envelhecimento, a lesões no cérebro e a doenças severas (caso da depressão,
Alzheimer, etc.).
Nelson S Lima